Meus dois primeiros livros, Crônicas de um repórter (2010) e Sol das cinco (2012). O terceiro está pronto e em breve será lançado.
Sopro de Letra
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
terça-feira, 30 de julho de 2013
A fazenda que não era modelo IV
Mas
falemos da Acácias. Fazenda sempre considerada promissora, de gente
trabalhadora e futuro certo para os entendidos da Vila Serena. Desde os
pioneiros, sempre se falava de trabalho árduo, de força conjunta e povo
compromissado com seu crescimento e beleza. Diziam que até os escravos eram
decerto felizes, mesmo com a labuta de vida tão dura, já velha conhecida
destes. Diziam as boas línguas que, apesar da dureza de um trabalho muito
pesado sob chuva ou sol e do chão duro e frio para a noite, nunca se vira
chicote ou corrente na Acácias.
Dizem
que de um córrego sem muita serventia, de uns engenhos velhos e ruídos e de
alguns pés de um pomar mal formado, foram surgindo celeiro novo, casa grande e
senzala bem construída pelos seus trabalhadores brancos e escravos. Já se viam
plantações em terrenos bem aproveitados e a Acácias ia tomando rumo de fazenda
imponente, de encher os olhos de esperança e o coração de orgulho de quem dali
se sustentava. Tudo obra de seu primeiro Coronel e dono, um tal Alcebíades
Alencar, que hoje, a exemplo de outras propriedades históricas, é figura
estrábica no quadro na parede da grande sala de visitas, com moldura de imbúia
bem tratada.
O
tempo passou, outros grandes coronéis passaram por lá, por herança, compra ou
batalha de sangue, e Acácias continua de pé. Produz pouco, não é nem sombra da
abundância de outrora. Também não recebe muitas visitas, como acontecia num
passado cada vez mais distante e saudoso, quando famílias eram fotografadas ou
pintadas em tela em frente ao casarão, no jardim de flores bem vivas ou nos
pomares ricos em variedades de frutas robustas.
Acácias
já foi terra que cheirava futuro, sem se esquecer do passado e com os pés no
melhor presente. Com gente amiga e confidente, sem rixas e duelos de sangue.
Hoje se desvirtuou em terra de ninguém e passado, presente e futuro se
emaranham em coisa só, pequena, esquecida, sugada pelos abutres que só querem a
carne fácil. Acácias definha, como é dito por alguns entendidos nos secos e
molhados da Vila Serena. Ainda é bela aos olhos de quem ali se criou e ganhou
cara e vergonha. Mas morre nas mãos de quem só quer dela o sulco de ouro e
peleja.
segunda-feira, 8 de julho de 2013
A loucura artística de Bispo
A arte, em sua essência, é
realmente algo que nos move, nos toca, de forma imponderável. E isso independe
de gênero, estilo, linguagem, expressão e abrangência. Falo isso após ler boa
reportagem sobre uma figura que me interessa profundamente há quase 20 anos, o
artista plástico sergipano Arthur Bispo do Rosário (1909-1989).
Estabelecido como louco (defino
assim por não ter aval e coragem de assinar embaixo sua loucura, ou por não ter
a exata noção do que seja loucura, até porque, louco, para mim, é quem vota em
Renan Calheiros, por exemplo) e confinado no manicômio carioca denominado
"Colônia Juliano Moreira" por cinqüenta anos, Arthur Bispo do Rosário criou
incansavelmente obras de extrema sensibilidade artística. Peças de um
artesanato com toques regionais e tintas de um humanismo pouco vistos em
galerias com assinaturas consagradas mundo afora. A fuga de sua solidão e dita
esquizofrenia estava na arte criativa.
Conheci parte de sua obra em
1994, quando adquiri o disco Rio
Severino, da banda Os Paralamas do Sucesso.
Capa, contracapa e encartes do vinil eram decorados com reproduções da obra de
Arthur. Por sinal, na minha opinião, além de ser o melhor disco da banda (da
qual sou fã), é o melhor trabalho gráfico da discografia do trio. Um show que me
chamou profundamente a atenção para o trabalho desse artista.
Quando nos deparamos com a obra
de Arthur, uma mistura de emoção e de questionamento nos assola. É que fica
sempre a interrogação sobre uma questão que se torna clássica diante de sua
obra: como pode alguém diagnosticado como louco, internado num manicômio
(“cemitério dos vivos”, como disse Lima Barreto), totalmente excluído da
sociedade e atirado ao limbo de um mundo à margem, produzir tanto e tão bem?
Para mim, é a magia da arte. A magia de sua essência que cito no início do
texto. O que nos toca e move. Isso, claro, retido à minha condição de não ser
crítico e entendido em artes plásticas. Até porque não discuto aqui as
técnicas, linguagens e demais blábláblás acadêmicos que possam nortear as obras
de Rosário. Talvez venha daí uma questão até mais profunda, a da dúvida em o
que realmente seja loucura ou a de que a arte não seja expressão exclusiva dos
“sãos”.
Viva Arthur Bispo do Rosário e
sua arte louca! Ou sua loucura artística!
quinta-feira, 20 de junho de 2013
O grito das ruas
Desde os tempos do forte apache e
dos quadrinhos da Marvel ouço falar que “a voz do povo é a voz de Deus”. O
problema é que em nosso Brasil tentam calar Deus desde a queda da primeira
índia desvirginada pela tropa de Cabral. Historicamente somos submetidos a um
sistema político-partidário carregado de malandragem, má-fé, bandidagem de
colarinho branco e muito conluio para alimentar o câncer da corrupção, algo
que, infelizmente, é parte do DNA do poder público brasileiro.
O que vejo, com minha miopia que
foge às teses acadêmicas dos grandes cronistas da realidade, é que as atuais manifestações
Brasil afora são o mais puro retrato do “basta, cansamos de ser enganados” que
o povo quer gritar pelas ruas. E isso é de uma importância histórica muito maior
que os debates poéticos em salas de ar condicionado dos pensadores de plantão e
dos nossos mandatários.
Sim, os tempos mudaram. Estamos
na era da mobilização virtual, que tem em seu poder massificante uma
abrangência inimaginável nos tempos da ditadura, que teve seus manifestos
heróicos e históricos. Temos é que torcer para que essa ferramenta seja bem
utilizada para o bem dos movimentos. E torcer também para que as manifestações
não percam seu foco de atuação e se façam valer, não servindo apenas para aumentar
os índices negativos das, infelizmente, inevitáveis depredações, prejuízos
pessoais e truculência desmedida.
Sinceramente, falando com a minha
bunda comodista colada na cadeira, doido para comer feijoada na hora do almoço
e ouvir Elomar, sem qualquer resquício de participação nos movimentos pelo
simples fato de ser preguiçoso e inoperante, tenho orgulho desses jovens que
vão para as ruas e se mostram indignados contra a bandalheira chamada “Brasil”.
Os invejo. Os admiro. Torço por eles. Lógico, desde que a violência não seja a
tônica das ações e que os vândalos sejam excluídos.
Parabéns, Brasil! Vamos tirar as
mordaças de Deus e ecoar pelos quatro cantos a voz do povo. Estamos dentro de
um capítulo importante da história.
quarta-feira, 12 de junho de 2013
Zumbis
E
lá se vão os zumbis dirigindo seus carros novos. E suas consciências velhas e
obesas. E seus carrinhos cheios de compras e suas vidas cheias de regras.
E
lá se vão os mortos-vivos dirigindo suas realidades blindadas. E suas costas
cheias de tapinhas. E suas conveniências amordaçadas. E seus canais de TV. E
suas sobremesas calóricas. E suas vidas pré-fabricadas, arruinadas pela mudez
calculada.
E
lá se vão os servos do poder com suas opiniões plastificadas e vencidas.
Escravos
da ordem estabelecida. Em suas caminhadas sociais às suas academias inúteis. Em
seus exercícios enquadrantes de fim de tarde. Com suas nádegas flácidas, abdomens
enfárticos e cérebros doutrinados.
E
lá se vão os homens sem voz. Crucificados pela chefia dominante. Parceiros do
medo e da solidão. Com suas cervejas importadas e limitadas. Com suas amizades
movidas a interesse e tira-gosto industrializado. Com seus medos disfarçados de
cautela, sua intolerância disfarçada de moral, sua arrogância disfarçada de
intelecto e seus falsos pudores disfarçados de respeito.
E lá
se vão os zumbis, vagando sob marcas famosas. Transando de olho no relógio.
Comemorando ereções e sua heterossexualidade. Escondendo desejos profanos e
aliviando sua consciência mamute no dízimo de sexta-feira. Sujando as mãos de
um sacerdote político com seus lábios impuros.
E
lá se vão os zumbis, fugindo de suas covas. Em vão. Lutando desesperadamente
para chegar à frente. Que frente?
Lá
se vão os parceiros da ordem. Vendidos e mortos, assim como os zumbis cheios de
regras.
E
seus carrinhos cheios de compra. E medo.
segunda-feira, 27 de maio de 2013
A fazenda que não era modelo III
Pranteneu nasceu Francisco
Pranteneu Calixto num março chuvoso. Em tarde de mormaço, cinza e sem
entusiasmo. A cabeça já era avantajada desde então e sinhá Cândida, a parteira,
foi quem falou primeiro que seria gente importante, inteligente, só pelo fato
da cabeçorra. Até que importante foi, já a inteligência ficou por conta de
análises e bajulações.
As pernas finas, as camisas
abotoadas ao gogó e a já dita voz fraca de sacristão afeminado já lhe
emprestaram ar de pau mandado. Ar de bobo da corte iludido com os que estavam
em sua volta, a bater-lhe nas costas.
Mesmo com os estudos e a retórica
de líder dos sem o que liderar, era tido como insignificante pelos seus pares,
que se resumiam em escritores de versinhos puros, líderes estudantis virgens,
moças feias sem carinho e trabalhadores trapaceados. Mas foi calando aos poucos
os que nunca o enxergaram como dono do poder. Foi buscá-lo com toda a energia e
o conseguiu, se tornando fidalgo respeitado em Vila Serena e região, se
portando como salvador da pátria para muitos ali, cansados da derrama imposta
pelo barão Epitácio Amendoeira. Este, por sua vez, era populista dos mais
gabaritados, aliado aos outros poderosos e responsável em sugar as tetas mais
robustas da Fazenda das Acácias e, por conseguinte, iludir e tapear o povo de
Vila Serena.
Mas eis que aquele menino ruim de
bola, com jeitinho de chibungo e cara de bobo, conseguiu o que queria, com
tanta persistência e sabendo jogar o jogo. Driblou os donos do poder local e,
numa tacada certeira, contando com a ajuda inocente da baronesa Ilca Salastião,
se apoderou das terras e das riquezas da Fazenda das Acácias. Começava ali a
saga infeliz e tirana do menino sem estampa de barão, mas que se alçou no
certame dos poderosos e sentiu de perto as aventuras e desventuras do poder. E
como diria sinhá Cândida, aquela que anunciou na tarde de mormaço a chegada da
cabeça avantajada e dona de inteligência vivaz, “dê o poder ao homem e irá
conhecê-lo de verdade”.
A partir daí o povo de Vila
Serena e da Fazenda das Acácias conheceu melhor o Coronel Pranteneu, que hoje é
ex-barão, ex-rei, e até a chegada de Coronel Teobaldo, era ex-capeta.
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